Hoje sem querer, voltei à minha infância de quando nas ruas brincava de roda ou de triciclo.
Numa bela tarde de sol de Primavera ou de Verão, não me recordo, andava eu a dar a volta ao bairro, ou seja ao quarteirão, no meu triciclo de banco madeira pintada de azul, que o Menino Jesus me tinha deixado na chaminé, quando eu tinha quatro anos.
Esse triciclo azul que um dia carreguei debaixo do braço, para fugir do polícia que a brincar, me inquiria ao voltar da esquina com sua voz séria de autoridade:
- O que anda a menina a fazer sozinha, a esta hora na rua?
Acho que não voltei mais à rua com esse velocípede, pois não entendi que a pergunta do polícia era de brincadeira. Entrei em casa cansada, ofegante e lavada em lágrimas. O triciclo arrumadinho ficou atrás da porta do quarto do meio, esse triciclo que ainda recordo, nunca mais de lá saiu para brincar na rua.
Mas a brincar de roda ou às escondidas eu continuei com os meninos e meninas da minha idade nos largos passeios de então.
Os passeios largos calcetados de pedra branca eram largos e a estrada de paralelepípedos de basalto preto .Os carros que por lá passavam eram poucos e estacionados menos ainda, lembro-me apenas de quatro carros pertencentes aos vizinhos que tinham negócio próprio.
O do senhor Rogério que tinha uma drogaria, o do senhor Lopes que também era droguista aqui no bairro, o do senhor Mendes que era dono de uma fábrica de fechos de correr e o outro era a furgoneta cinzenta escura, do senhor Varela que para arrancar, o baixinho, subia em cima da manivela que ligava ao motor e com os pés forçava-a para que o motor arrancasse e pudesse então sair e fazer a distribuição e venda dos produtos de mercearia.
O Varela distribuía tudo ou quase tudo que as mercearias então vendiam. Uma das coisas que vendia era a Farinha Amparo, que dava prémios na troca de umas quantas embalagens vazias. Lembro de ter ganho uma boneca de Papelão quase tão grande como eu. Foi a boneca maior que tive e que muito bem a tratei durante vários anos. Lembro-me vagamente do vestido que minha mãe lhe fez, porque eu ainda não sabia como se fazia.
A minha prima Isabel, mais velha do que eu dois anos e muito mais desinibida do que eu, pois eu era muito envergonhada e chorona, deixa eu dizer isso, para que ela não o diga, também teve uma boneca igual à minha.
Ainda me lembro do tanque de lavar roupa, que ficava ao cimo das escadas íngremes de cimento, onde ela um dia decidiu dar banho à boneca. Coitada da boneca só tomou um banho na vida. O cartão inchou e se desfez na água do banho e lá foi ela, desfez-se para nunca mais voltar aos braços da sua amiga e dona que deve ter chorado baba e ranho sem tamanho.
O PRA que terminei ontem, fez-me recordar algumas vivencias desde menina, este texto não fez parte desse PRA, mas estes factos foram nele lembrados também.
Recordar é viver e foi isso que acabei de fazer.
Meu abraço fraterno
Clementina Gaspar
13 de Abril de 2012